quinta-feira, 10 de março de 2011

CONTINUEM ESCREVENDO...

Vamos publicar os textos produzidos durante as férias, para que todos possam desfrutá-los!
Oficina Literária Charles Kiefer

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Sombras sobre Saint Brieuc

Saint Brieuc

França, 28 de Fevereiro de 1896.

Após Archibald trazer para o grupo a inquietante observação de que no hospital do pequeno vilarejo pesqueiro, não havia nenhum sinal de imagens de Santos pregados as paredes, apesar de o lugar ter sido batizado com o nome de uma santa cristã: Saint Clare.
Ele refletiu que ter imagens de santos em hospitais, traria uma boa preparação para aqueles que estavam para romper a “película”.
Embora lhe parecesse também, que isto poderia ter seu lado obscuro se servisse para revoltar memórias de pecados do moribundo...

Isto lhe lembrava da criatura tenebrosa que um dia fora o melhor amigo de seu mestre, e agora voltava dos mortos para sugar diretamente a alma dos vivos.

Ele seria um bom exemplo de escruziante dor após a morte, se ele acreditasse em expiação, é claro.

Bobagem!

Um patife como Mordecai, que vendeu a alma para deuses da escuridão e da morte.
Com certeza nunca sentiu e nunca sentiria remorso!


Ele queria a garota!

Aquela pequena dama de nome Ester que lhe causara tanta impressão e um pouco de medo!

Nos seus mais profundos delírios inalando o dragão...

Ele a via como a vilã de seus sonhos, a garota que ele ajudara enquanto estava mergulhado no inferno que era o Orfanato Havens Gate!

Ele reflete que Dickens teria gostado de suas experiências...

Se tivesse conhecido o padre Eleazar Dickinson , porém, teria posto em suas histórias elementos mais nocivos ainda do que a simples maldade declarada dos homens...

Se a maldade oculta que ele conhecera nas figuras bruxuleantes de sua infância naqueles frios dias, fosse retratada... bem, ele não seria mais um escritor realista!






Thelonyus se preocupava com o destino da garota,

Já havia sido mostrado por um Oráculo que ela possuía uma encruzilhada no seu futuro
Ele sabia que isto representava uma grande escolha para ela.

Ele se perguntava se mais esta alma se perderia também como a de Jed .

Ele tinha acompanhado a distancia sua queda.
Mas não calculava o quão fundo ele havia mergulhado...

Mas não era isto que mais lhe causava inquietação, e sim, que sempre no meio desta encruzilhada, ele se via crucificado ao chão, com demônios horríveis se banqueteando e festejando em uma mesa por sobre a cabeça desta encruzilhada.


O desenho melancolicamente traçado por duas meninas, uma viva e outra morta!
Uma deste lado do véu e outra do outro, mostrava claramente a imagem de um homem crucificado ao chão!
Já era o terceiro indício deste destino...


Mas apesar disto lhe causar temor, ele se lembrava que os anjos estavam com ele...
Que Ema lhe acompanhava através do crucifixo que ele trazia perto do peito, no bolso do paletó.
A pequena relíquia era o foco de sua vontade e faria com que qualquer símbolo santo irradiasse a energia destruidora certa que ele já havia experimentado antes...

Ele só esperava que o anjo cumprisse sua parte e protegesse Ema de Mordecai

Além destes pensamentos desconexos, outro lhe passava pela mente...

A de que algo do nível que Mordecai alcançou, só poderia ser atingido por um efeito místico muito poderoso!

Um sacrifício muito grande e continuado...

Uma Hecatombe!

Que já aconteceu!

Seria isto, por acaso, o que o Dr. Cloquet estaria buscando com esta pequena cabala oculta?
















Uma pista para a caçada

Minha amada prima

As afiadas agulhas dos montes Cárpatos, como sempre, perdem o vigor de sua beleza sem sua presença.

Minhas obras de arte noturnas chegam a me entediar mortalmente.
Acho que não fossem os meus “convidados humanos” estarem tão engajados em seus papéis de... “cantores da agonia”, estariam bocejando, do pouco de dor que eu consigo impingir com alguma arte.

Rômulo e Remo, os irmãos guepardos que eu arranquei ainda vivos do útero de sua mãe, em minha doce viagem a África, ficam a noite toda deitados, e quase posso sentir seu desagrado, quando eu lhes chamo para acariciá-los, ou dar-lhes algumas gotas de sangue da minha adega de “nobres”.

É que sem você para rir de minhas pequenas travessuras, fico sem vontade de viver para sempre...

E acho que contagio todas as criaturas a milhas de distancia das fronteiras da Valákia,

Com esta preguiçosa vontade de morrer...

Mas logo isto vai mudar...

Aliás, já está mudando meu amor!

Só de pensar que nossa “Festa” está chegando...

Faltam agora o que?

Pouco mais de uma centena anos?

Há, como eu me regozijo só com a lembrança de nossas tão sonhadas festas quando éramos jovens e curiosos que depois concretizaríamos enquanto não-vivos.

A hora esta chegando prima Erzsebet...

Mande construir o vestido mais lindo que já beijou seu corpo


Seu para as muitas e deliciosas gerações que virão.


Zulke.



Carta apreendida da coleção secreta do museu da Hungria pelo prof. Thelonyus Abronski de Zulke para sua prima condessa Erzsebet Bathory datada de 5 de julho de 1767.

Dança das Sombras

Ato III:


7 de Fevereiro de 1896

Ao partirem de Londres no vapor “Astra”, depois de libertarem o professor Thelonyus Abronski do Asilo Bedlam, o profundo buraco de onde transborda o fluído da loucura para todos os seres do Reino de sua majestade.
Vincent e Ester junto com o mestre, passam por um evento sobrenatural de proporções ainda não calculáveis...

 Jeddedia Hawtorne o odioso necromante diabolista conhecido nos círculos do Oculto como “Mordecai”, reaparece de seu sono nos Érebos, agora como um espectro devorador das almas dos vivos!  Ele parte da popa do navio sorvendo a alma do mestre de caldeiras até seu último estertor, depois ele se desloca em direção da cabine de sua antiga protegida, Ester, Só cessando seu assédio quando o professor Thelonyus através de um rito de exorcismo lhe expurga desta dimensão de volta ao seu obscuro canto nos campos das almas soluçantes!

Eles encontram no navio um misterioso Dandi de nome Jean-Claude Loureax  que  aparentemente sentiu os eventos desta horripilante noite...

Uma horda de nuvens enegrecidas acompanha o Astra em seu caminho em direção a Paris...





terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A Segunda Via, Lavínia

           Seu corpo estava ali. Cálido e embranquecido sob os lençóis. A mim, cabia toda pena do mundo de tocar em tamanha beleza e desfrutar de um amor inexplicável. Fora um toque em seu rosto para que todo o encantamento da visão fosse desfeito. De menina a mulher. E minha. Como cabe a vida, fui guiando meus sentimentos de forma justa e equilibrada sobre tamanha fonte de paixão. Mas ela foi me embebedando e enegreceu minhas vistas. Lancei-me. Perdido no maior dos abismos viajei em cada curva de seu corpo e banhei a câmara sagrada de seu ventre com minha saliva.

            Como não poderia deixar de ser verdadeiro, amei aquela mulher. Tomei todo seu corpo em minhas mãos até sentir o prazer que vinha da sua carne. O suor foi mar. Os suspiros foram cânticos de louvor. Curei-me. Como quem cura a alma de um desejo que sempre lhe alcança; sentimento que tenho quando estou tão próximo dela. Foram muitas horas e tão poucos minutos, pois nestes, desfigurados pelo placê do tempo, me fez homem novamente e fez-me adormecer nos braços da mulher que amo.
            Porém, ao me entreter em sono profundo, cultivei nos vergalhões da memória o amargor da partida. Fui tolo demais. Acreditei que o ardor daquela paixão, tomada de sexo e doação complacente, seria o símbolo da comunhão de dois corpos. Bebi o cálice amargo da partida e amontoei nas prateleiras de minha memória mais uma noite. Fiquei pálido. Esgotei-me. Sucumbi de amor solitário e saltei ao corpo material onde, na cama fria, só carne e desejo restaram. 
            Agora, para manter meus dias, coloco esta vida em uma caixa de sapatos embaixo da cama. Aos dias tristes, me debruço sobre os lençóis daquela noite e olho a caixa. Se me sugere, tomo-a novamente em meus braços, se me sucumbe, é porque me falta a misericórdia de entender que nada mais sou sem o cheiro e o sabor do corpo de minha amada.
            No entanto, Lavínia havia deixado uma réstia de delicadeza de mulher. No reluzir do espelho da cômoda central, junto às precisas lágrimas que se espalhavam por minha face, pude notar a carruagem de prazer voltar à abadia. Quando o queixo deitou em meu ombro e as unhas se deleitaram de minha carne, deixei a mulher crucificar-me novamente. Minhas partes nuas nas suas.
            Invadi seu corpo. Tomei posse do retrato de mulher que havia criado. Naquele instante me ocupei dos vícios da carne e deixe os versos para o ouvido da donzela. Sussurrei ao delírio de prazer. Ela, porém, me retirou a vida novamente e sacramentou a morte de meu corpo. Passou sua doçura metacarpal em minhas rugas e conduziu as pálpebras envelhecidas ao desejoso sono da morte. Como último gole de vida, agarrei a réstia de realidade que vibrava em seu avental branco, onde resplandecia o nome de minha amada.
            Naquele porão de velhos o cárcere da matéria nunca foi barreira para o pensamento flutuante. Ainda sentia o gosto do amor mesmo embalsamado pela rigidez do tempo. No momento fatal, a vitrola de minha época perfilava na memória um “Adagio” que se reduzia a partir de sessenta e seis batidas. Refutei as marcas de meu prazer com Lavínia e deixei de lado todos os sonhos que na tristeza havia vivido pela sombra de outras criaturas. O barulho do carro de aço me esperava e, após mais de vinte anos de partida, sentia pela segunda vez a chegada de meu amor. As mãos foram unidas em um só aperto e seguimos para segunda vida que nos esperava.   

Rodrigo Ourives
21/12/2010

Escala em Punta Arenas

Naquela manhã cinza de uma quinta-feira de junho, subiu lentamente degrau por degrau do hospital geral de Punta Arenas e acomodou-se no sofá marrom, colocado ao canto esquerdo da cabine onde estava a moça que chamava os pacientes para o bloco cirúrgico. Por mais que se esforçasse, jamais imaginara interromper a viagem à Antártida, para submeter-se a uma cirurgia de urgência em um tosco hospital do Chile.  Mas não culpava-se por isso, pois jamais lhe passara à cabeça ter um apêndice lotado de pus, prestes a explodir feito os vulcões ocultos pela vermelha e silenciosa paisagem da Terra do Fogo.
Réuris também não fazia ideia que o roteiro para o continente gelado incluisse uma escala pela mesa de cirurgia, para onde foi levado naquela manhã. Era uma experiência inédita, tanto quanto a de se aventurar pela imensidão das montanhas brancas de gelo. Pensava em Ignez, quando abordou-lhe um homem de jaleco surrado, com uma imensa seringa em riste, contendo um líquido igualmente branco. O estranho, com cara de açougueiro, ordenou-lhe que relaxasse e aplicou-lhe a anestesia na veia, seguida de uma ordem:
- Inspira bem forte duas vezes.
Na segunda tentativa, Réuris literalmente apagou e não havia o que pudesse fazer diante do irremediável efeito da anestesia. Teve a nítida sensação que deixara de existir e considerou aquilo um ensaio do inexorável fim a que estão sentenciados todos os seres. Sem noção de tempo, de espaço e do próprio conceito de existência, ergueu o rosto, abriu os olhos e atraído por uma brisa que vem do mar, nas tardes quentes de verão, jogou-se na imensidão branca, num voo repleto de prazer, ao ponto de não perceber que a sala já estava escura e que todos haviam ido embora.

Luis Bacedoni
21/12/2010

Amor Cibernético

Como um meteoro, entrou porta adentro, lançou a bolsa marrom sobre o sofa surrado e jogou-se na cadeira escura, entronizada na sala  onde mantinha o computador e seu espaço simbólico. Decidido a por um ponto final na relação virtual que começara bem antes de ter adquirido o micro, com os míseros reais que ganhara no último emprego, Réuris concluiu que não seria possível amar alguém que se recusava a aparecer fisicamente, que driblava qualquer proposta de encontro e que ao invés de rosto mostrava apenas a silhueta de um rosto indecifrável.
Porém, cada vez que ouvia aquela voz, ainda que um pouco digitalizada, sentia que alguma verdade escapava entre bytes e a fake criatura que insistia em fazer-lhe juras de amor pela internet. De certa forma, por mais incrível que parecesse, Réuris criou intimidade com um personagem que nem mesmo tinha condições de dimensionar. Estaria amando alguém que não conhecia? Achava tudo muito estranho, por isso chegou em casa disposto a acabar com o amor cibernético que o colacara à beira de um ataque de nervos.
Determinado, pontualmente às 12h15min, ligou a webcam, direcionou a luz para seu rosto e colocou-se à disposição do diálogo.  Ao conectar-se, percebeu que quase tudo estava lá: a estante com os livros ao fundo, quase imperceptível, a mesa fosca e a cadeira, surpreendentemente vazia. Não havia mais rosto, não havia sequer sombra. Por dias a fio, Réuris tentou estabelecer novos contatos e ao cabo de um mês até mesmo o endereço eletrônico havia desaparecido do site.  A sensação era de que tudo estava irremediavelmente perdido e seus dias passariam a ser de eterna busca por um amor que talvez nem existiu.

Luis Bacedoni
21/12/2010